Qual a diferença do modelo Denver de intervenção precoce para outros tratamentos?
O modelo Precoce de Denver centraliza os esforços do tratamento exatamente no centro dos sintomas do autismo, ou seja, a reciprocidade social, o engajamento social, o interesse social, o primeiro objetivo do nosso trabalho é trazer a criança de volta a interação social
Garantir que a criança observe mais, imite mais, interaja mais com outras pessoas, utilizando a própria motivação da criança por objetos, brinquedos e pessoas possibilitando o aprendizado de novas habilidades em todas as esferas do desenvolvimento, como a imitação, comunicação, competências sociais, habilidades cognitivas, independência social, pessoal, motricidade fina, entre outros.
As crianças passam boa parte do seu tempo livre de atividades estruturadas em sua rotina, e parte desse tempo é destinada a brincar.
A brincadeira tem diversas funções importante para o desenvolvimento das crianças, elas utilizam as brincadeiras para adquirir novas competências e para colocar em prática competências que já tem domínio, variam as brincadeiras e experimentam novas formas criativas de utilizar os brinquedos ou objetos disponíveis, elas também utilizam as brincadeiras para práticas suas aptidões sociais. Tentar subir e descer escadas ou moveis da casa, encaixar peças de lego ou quebra cabeças, colocar e retirar objetos de recipientes, empurrar carrinhos, quase tudo serve para que possam brincar: panelas, caixas de papelão, colheres, recipientes de plástico, tampas, aprendem através da observação, nas brincadeiras de faz de conta, através da imitação, tudo se transforma numa oportunidade de aprendizado.
Embora as crianças gostem de brincadeiras repetitivas como bater uma colher na panela, colocar e retirar objetos de recipientes, as brincadeiras de uma criança no espectro podem variar em relação as brincadeiras dos seus pares, pois tendem a repetir uma ação ou movimento com uma frequência e período de tempo maior, suas brincadeiras são mais simples e geralmente brincam com objetos incomuns ou de forma diferente, como girar as rodas do carrinhos, alinhá-los ao invés de empurrá-los, ou brincar com uma colher, escova de dente, pedras no lugar dos brinquedos convencionais, não demonstram tanto interesse me brincadeiras de faz de conta ou imitação, e muitas vezes preferem brincar sozinhas do que compartilhar a brincadeira ou brinquedos.
No modelo Precoce Denver as brincadeiras e jogos são utilizados como base para o aprendizado, estas atividades são realizadas em ambientes naturais e não em ambientes controlados/estruturados, o interesse da criança e quem irá guiar a intervenção.
O ambiente terapêutico deve ser adaptado para que a criança consiga aprender e se desenvolver no seu ambiente natural através das brincadeiras que ela gosta.
Para garantir que o Modelo Precoce de Denver está sendo executado corretamente é preciso estar atento a 13 aspectos:
1. A gestão da atenção da criança: é preciso garantir que a criança está distribuindo bem a atenção visual e auditiva dela entre nós e o material; se a criança está montando um quebra-cabeça mas não existe troca social não existe troca de olhares e reciprocidade, este aprendizado não acontecera de maneira plena e suficiente, tendo em vista que uma das maiores dificuldades presentes no autismo é a de comunicação social e de engajamento social a gestão na atenção da criança é absolutamente fundamental.
2. Qualidade do ensino comportamental, ou seja, os aspectos do aprendizado: Se temos uma sequência baseada na ciência do aprendizado e ela possui antecedentes claros dos comportamentos apresentados pela criança a aplicação de consequências adequadas, o reforço ou a correção e a sua frequência é dada pelo adulto, gerenciando assim o aprendizado da criança.
3. Aplicação de técnicas de instrução ou qualidade do suporte: a qualidade do suporte que está sendo oferecido para criança é suficiente para facilitar que ela seja capaz de aprender novos comportamentos, esse suporte precisa ser sistemático.
4. Gestão do nível de alerta da criança: se a criança está hiperexcitada, muito agitada, ela não consegue se concentrar para aprender, mas se uma criança está hipoexcitada ou seja, desmotivada ela não terá a mesma percepção, por isto é preciso gerenciar a motivação, neste caso não tem relação com problemas de comportamento, mas sim com a otimização do humor, estado ou nível de participação da criança. Por isso é fundamental o gerenciamento da motivação e do nível de alerta da criança.
5. Gestão dos comportamentos indesejados/inapropriados: se a criança está apresentando comportamentos inapropriados como bater, gritar, se jogar, jogar objetos e fuga, é preciso intervir para que a criança reduza a frequência desses comportamentos e aprenda comportamentos mais apropriados, pois tais comportamentos deixam a taxa de desenvolvimento da criança mais lento e menos significativo.
6. Qualidade do compromisso diádico ou reciprocidade: é um tipo de compromisso social em que a criança está consciente das atividades do adulto e o adulto é um parceiro interativo, ambos têm consciência do seu papel na interação, a criança demonstra isso através do olhar compartilhado, trocas intencionais, sorrisos. Se a criança não está consciente, o seu aprendizado se torna extremamente limitado.
7. Gestão da motivação: este aspecto se refere a motivação da criança para realizar a atividade proposta, o adulto segue a liderança da criança para elaborar atividades que sejam interessantes ou para executar as atividades escolhidas por ela, valorizar esta escolha não impede a modelagem de um brinquedo novo ou atividade, forma intercalada seguimos sua motivação e vamos inserindo aprendizados novos, respeitando sempre a motivação da criança e finalizando antes que ela fique desmotivada.
8. Afeto: existe um afeto que está presente entre o adulto e a criança em todas as atividades e este afeto é utilizado para gerar ainda mais a motivação e estreitar laços com a criança, a reciprocidade deste afeto é demonstrado ao longo da terapia. O modelo Denver de Intervenção Precoce é uma terapia afetiva.
9. Sensibilidade e receptividade do adulto às pistas comunicativas da criança: é a capacidade do adulto estar sensível e receptivo para perceber as comunicações verbais da criança e respondê-las de forma apropriada, e não somente ignorar ou deixar passar desapercebidos as tentativas da criança de se comunicar ou se expressar.
10. Qualidade da comunicação: Durante a interação ocorre uma constância suficiente de oportunidades de aprendizado da fala e de comunicação não-verbal, o terapeuta deve estar atento e ser capaz de adequar o seu nível de linguagem ao nível de linguagem da criança.
11. Diferença das funções da linguagem: no decorrer da intervenção o terapeuta irá ensinar múltiplas funções da linguagem, como por exemplo: ensinar a criança a pedir, nomear, comentar, protestar/afirmar, imitar sons, pedir ajudar, saudar, sendo assim, todas as funções da linguagem devem ser ensinadas.
12. Estrutura da atividade: a estrutura da atividade auxilia e facilita a criança a perceber quando irá ocorrer a transição de uma atividade para outra sem que haja um conflito em que a criança tenha uma ruptura muito grande da sua motivação, é fundamental que fique claro para a criança com o que e com quem vamos fazer essa atividade, quais ações são esperadas da criança, e necessário fazer variações para ampliar o repertório da criança e assim vamos fazendo uma transição de forma fluida.
13. Transição: Na transição a criança tem autonomia e liberdade de escolher as próximas atividades e de aprender até mesmo durante a transição de uma atividade para outra.
O modelo Denver de Intervenção precoce utiliza estratégias naturalistas e no ambiente natural, o reforço é natural, sendo assim não é utilizado reforço como alimentos, iPad, o reforço é o próprio reforço da interação social que vai sendo construído à medida em que a criança vai avançando na terapia.
A capacidade da criança de se engajar e de participar das atividades vem pela sua própria motivação, pelo prazer que ela tem em realizar as atividades. O objetivo do Denver é garantir que o prazer e a motivação estejam presentes para que a criança venha a generalizar seus aprendizados.
Como se tornar um parceiro ativo nas brincadeiras com seus filhos?
Primeiro é preciso identificar o que motiva o interesse da sua criança, precisamos de brinquedos ou objetos que sejam do interesse da criança e apropriados para a sua idade, e que de preferência eles fiquem organizados e acessíveis ao alcance da criança, uma criança motivada é uma criança com maior possibilidade de aprendizado.
Se a criança não demostra interesse por nenhum brinquedo ou objeto, apresente a ela brinquedos sociais sensoriais como a bolinha de sabão, despejar líquidos, balões, slimes, massinhas, flautas, chocalhos, se ainda assim ela não demonstrar interesse, cante músicas, faça brincadeiras de rodas, cocegas, pular no pula a pula, jogar bola, puxar a criança com a coberta.
Se a comida for o único interesse da criança, aproveite e faça um piquenique, coloque animais dentro da gelatina, é preciso despertar o interesse da criança e direcionar sua atenção para os seus olhos e rosto, seja por meio de ações físicas, vozes/sons e palavras.
Após identificar o item de interesse, elimine a concorrência, desligue a televisão, o tablet e qualquer outro eletrônico, se preciso faca alterações no ambiente para que não tenha distratores competindo com a sua atenção. É importante também fazer uma seleção previa do que será utilizado durante a atividade, deixe somente os itens selecionados, o ideal é que se tenha o mínimo de objetos no ambiente ou pessoas para concorrer com a atenção, de preferência tenha apenas uma mesa, uma cadeira e um móvel para colocar os brinquedos.
Sente-se frente a frente com a criança na altura de seus olhos, garanta que ela esteja atenta ao seu olhar e expressões faciais, neste momento o seu único objetivo e ganhar a atenção dela, então, nada de demandas.
Mantenha uma distância confortável em relação a criança, se a criança tentar evitar contato visual, seja tapando os olhos, abaixando ou virando a cabeça, dê a ela um pouco mais de espaço, não force a criança a te olhar, isso fará com que ela desvie ainda mais, e não é esse o objetivo. Garanta que sua presença seja extremamente reforçadora, fique atento aos sinais de interesse que a sua criança lhe dá, torne os brinquedos e objetos mais acessíveis, faça atividades divertidas e siga a liderança da sua criança durante o brincar, observe e narre o que a criança está fazendo, faça onomatopeias / sons faça comentários durante a brincadeira, isto promove o aprendizagem da linguagem verbal, uma regra muito importante a seguir é se sua criança ainda não fala nenhum palavra, utilize apenas uma palavra para se comunicar com ela, caso ela já fale uma palavra, se comunique utilizando duas palavras e assim sucessivamente.
Quando já tiver ganhado a atenção e confiança de sua criança, comece ajudando-a durante a brincadeira, entregue uma peça que esteja faltando, ajude a abrir a caixa de brinquedos, se sua criança já estiver confortável com a sua presença é hora de assumir um novo papel na brincadeira, comece imitando-a, utilize brinquedos iguais para imita-la, dê modelos novos para ela te imitar, se ela demonstrar interesse no seu objeto, compartilhe com ela e peque outro para dar continuidade a brincadeira, você pode também estimular a troca de turno minha vez/sua vez, caso sua criança não queria dividir ou que você encoste em seu brinquedo, invista em brincadeiras paralelas e aos poucos vá se aproximando.
Aproveite as oportunidades para acrescentar algumas variações diferentes durante o brincar, insira novos itens a brincadeira, de modelos e peça que a criança faça igual (imite a sua ação), ofereça sempre as ajudas necessárias para que ela consiga executar a brincadeira, reforce imediatamente e volte a seguir a liderança dela novamente. Muito importante ressaltar que se sua criança demonstrar que se sentiu desconfortável em alguns desses passos, volte para o passo anterior.
O brincar possibilita o aprendizado, a criança vai aprendendo a seguir as demandas com uma menor resistência, vamos fazendo o que chamamos de quebra de rigidez comportamental, e o mais importante é que a brincadeira em si, se torna um reforçador.
Texto escrito pela Supervisora Jessica Duarte, especialista em Autismo.
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