Invisibilidade dos Autistas Adultos: Desafios e Inclusão no Ensino Superior
11/06/2024
Por: Débora Oliveira e Mary Dias
Invisibilidade dos Autistas Adultos: Desafios e Inclusão no Ensino Superior
OS DESAFIOS DA FASE ADULTA:
O Transtorno do Espectro Autista (TEA), uma condição neurológica que afeta a comunicação, interação social e comportamentos, tem sido cada vez mais reconhecido. Apesar dos avanços no entendimento e na conscientização sobre o espectro autista, os desafios enfrentados pelos autistas adultos, muitas vezes permanecem invisíveis para a sociedade em geral.
Ao longo das últimas décadas, tivemos uma mudança significativa na percepção pública do autismo. Atualmente observamos que o assunto está inserido em discussões sociais de forma mais ampla do que há 20, 30 anos atrás, quando a visão da sociedade sobre o transtorno era vaga e pouco discutida. Embora as redes sociais estejam repletas de posts, vídeos de conscientização e profissionais dedicados a ensinar sobre o autismo, é evidente que, em sua maioria, as informações disponíveis ainda estão profundamente enraizadas na perspectiva infantil da condição.
Historicamente, a maioria dos diagnósticos de autismo era atribuída a indivíduos com um nível mais significativo de suporte, enquanto aqueles com necessidades menos óbvias muitas vezes passavam despercebidos. No entanto, avanços em pesquisas e na compreensão do transtorno, incluindo as atualizações do DSM a partir de 2013, permitiram um melhor entendimento e maior número de diagnósticos de pessoas com diferentes níveis de suporte, resultando em um aumento exponencial de diagnósticos tardios.
Muitos desses adultos diagnosticados tardiamente enfrentam uma jornada de busca por respostas ao longo da vida, frequentemente acompanhada por tratamentos errados e comorbidades adicionais, como Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) e depressão, resultantes da falta de diagnóstico, da ausência de tratamentos adequados e falta de adaptações necessárias para que tenham qualidade de vida. No entanto, mesmo após o diagnóstico, eles continuam a enfrentar um grande desafio: a invisibilidade de autistas adultos diante da Sociedade, uma realidade que afeta também, autistas diagnosticados na infância, que agora são adultos.
Além dos desafios devido aos sinais do transtorno, essa invisibilidade faz com que esses adultos enfrentem uma dificuldade em comum: A Inclusão no Mercado de Trabalho e a Inclusão no Ensino Superior.
OS DESAFIOS PARA A INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR
Mari e eu somos estudantes de Psicologia, de acordo com que enfrentávamos os desafios com a Inclusão dentro de sala de aula, percebemos que ser inclusas nesse ambiente era um desafio muito maior do que imaginamos antes de ingressar em nossa jornada de graduação.
Por mais que a Faculdade oferecesse um determinado suporte, nossos desafios iam muito além de fazer provas em salas separadas dos demais alunos, precisávamos ter sido preparadas para enfrentar o ambiente acadêmico, precisávamos que as pessoas estivessem prontas ou dispostas a se prepararem para nos receber. Cheguei a um ponto em que as crises estavam ocorrendo todos os dias, durante duas semanas consecutivas e em um desses dias, quando percebi que estava prestes a entrar em crise, tentei pedir ajuda a uma professora, pedindo para conferir meu trabalho primeiro para que eu pudesse ir embora, e ao invés de receber suporte, ouvi somente a frase “é só você sentar na frente que tem menos barulho”. Obviamente não adiantou e tive que ir embora, mas esse dia me deixou a pensar “seria possível promover inclusão em um ambiente onde muitos profissionais/professores não sabem nem o mínimo sobre autismo em adultos?”.
Se a inclusão em escolas, que muito é falado, já é difícil, imagina em um ambiente acadêmico, onde quase não se fala sobre inclusão de autistas? Onde muitos acreditam que somente autistas crianças precisam de adaptações e inclusão.
A inclusão de estudantes autistas no ensino superior é um desafio complexo que requer uma compreensão aprofundada das necessidades específicas dessa população e a implementação de práticas educacionais inclusivas. O aumento da prevalência do TEA, associado às intervenções precoces e às políticas inclusivas, culminou na ampliação do acesso dos autistas ao ensino superior. Porém, quando comparado a outras deficiências, o TEA apresenta maiores índices de abandono acadêmico, menor empregabilidade e mais comorbidades psiquiátricas.
A partir das nossas experiências e de estudos sobre a Inclusão no Ensino Superior, fizemos uma pesquisa de campo onde entrevistamos 20 autistas adultos:
De 20, somente 8 finalizaram graduação
Desses 8, somente 2 finalizaram a primeira graduação, os outros passaram por outros cursos até encontrarem um que conseguissem ir até o final.
Dos 12 que não tinham formação em ensino superior, 8 tentaram e não conseguiram ir até o final e 4 não iniciaram por medo dos desafios e da falta de suporte nesse ambiente.
Todos que iniciaram uma graduação, possuem relatos de bullying e dificuldades devido a falta de capacitação dos professores para lidar com autistas.
Um relato em comum de todos e que também é um problema que merece atenção, é a dificuldade para descobrir suas aptidões, o que também influencia para que esses adultos iniciem e não terminem suas graduações.
Sabemos que autistas possuem interesses restritos e também focos exagerados em determinados assuntos. Esse hiperfoco pode ser usado sim, para incluir o autista no mercado de trabalho, mas pode ser também um agravante, já que, podemos começar uma graduação em algo que não temos aptidão, somente por ser “o hiperfoco da vez”.
A questão que surge diante de tudo isso é:
O QUE FAZER PARA SOLUCIONAR ESTES PROBLEMAS?
Além da necessidade de aumentarmos os movimentos de Conscientização sobre Autismo na vida adulta, é necessário que haja investimentos por parte das faculdades e do governo, em capacitação de seus professores, tanto quanto é necessário em escolas do ensino fundamental e ensino médio, tanto para redes públicas, quanto privadas.
O suporte adequado e intervenções corretas também não pode ser negligenciado. Muitas vezes, quando o autista possui necessidade de menor nível de suporte, acaba tendo suas dificuldades negligenciadas. Deduzem que conseguimos fazer tudo sozinhos, que é só se esforçar que da certo e a falta desse suporte influencia para que essas desistências no ensino superior sejam maiores e também resultam em comorbidades como Depressão e TAG.
Investir em intervenções, como as Oficinas de Habilidades Funcionais que temos na MK, também pode ser um excelente aliado nessa trajetória. Extrair o potencial de cada autista adolescente e adulto, descobrindo sua aptidão e dando suporte para que ele seja inserido no mercado de trabalho e na graduação, preparado-o para lidar com os prováveis desafios que surgirão. Assim, podemos minimizar os desafios que enfrentaremos em nossa jornada por busca de autonomia e qualidade de vida.
Os autistas estão crescendo, as demandas da vida adulta estão surgindo e nós precisamos nos preparar para lidar com o mundo, mas o mundo também precisa estar preparado para nos receber.