Setembro Amarelo chegando ao fim e encerramos o mês com esta matéria extremamente necessária! Através de artigos científicos e meus relatos pessoais, eu, uma mulher, autista com diagnóstico tardio, que enfrentou grandes desafios para estar viva hoje, apresento a vocês, como esse assunto é de grande importância o ano inteiro e de extrema urgência.
O autismo é amplamente discutido na infância, mas quando falamos sobre autistas adultos, a conversa frequentemente se perde. Dentro dessa lacuna de diálogo, um tema que demanda atenção urgente é o suicídio em autistas adultos. Estudos mostram que pessoas no espectro autista têm uma probabilidade maior de desenvolver pensamentos suicidas e de cometer suicídio, especialmente as mulheres, que estão entre os grupos mais vulneráveis.
Por muito tempo, lutei para entender por que sentia que havia algo de diferente comigo, algo que não se encaixava. Sem saber que era autista, vivi tentando camuflar minhas características para me ajustar ao mundo, o que me levou à exaustão emocional e, em momentos de crise, até à ideação suicida. Foi um processo difícil, e a falta de apoio e compreensão tornou tudo ainda mais desafiador. Infelizmente, essa é uma realidade que afeta muitas mulheres autistas.
Dados Preocupantes: Taxa de Suicídio em Autistas Adultos
Pesquisas internacionais revelam que adultos autistas têm até nove vezes mais chances de morrer por suicídio em comparação à população neurotípica. Segundo um estudo conduzido no Reino Unido pelo Dr. Sarah Cassidy e sua equipe na Universidade de Nottingham, cerca de 66% dos adultos autistas relataram ideação suicida em algum momento de suas vidas, e 35% tentaram o suicídio pelo menos uma vez.
O número alarmante de suicídios entre pessoas autistas não é exclusividade do Reino Unido. Um estudo realizado na Suécia mostrou que autistas são até 10 vezes mais propensos a morrerem por suicídio do que seus pares neurotípicos. Além disso, um estudo de 2018 realizado pela Autism Research Foundation, nos Estados Unidos, destacou que as mulheres autistas estão ainda mais propensas a sofrer com pensamentos suicidas do que os homens.
Mulheres Autistas: O Grupo de Maior Risco
Mulheres autistas estão em maior risco, por uma série de fatores sociais e biológicos. O primeiro e talvez mais significativo é o diagnóstico tardio ou equivocado. Muitas mulheres autistas passam anos, ou até décadas, sem saber que estão no espectro autista. Isso ocorre porque a apresentação dos sintomas nas mulheres muitas vezes difere do que é tradicionalmente esperado de uma pessoa autista. Elas tendem a internalizar seus desafios e, por meio da “camuflagem”, adaptam-se para parecerem neurotípicas. Esse esforço contínuo de esconder suas características autistas pode gerar exaustão emocional e mental.
As mulheres que passam grande parte de suas vidas sem um diagnóstico adequado podem vivenciar sentimentos profundos de inadequação, solidão e esgotamento, pois constantemente tentam se ajustar a padrões sociais que não refletem sua maneira de ser. Esses fatores aumentam significativamente a probabilidade de desenvolverem transtornos mentais, como depressão e ansiedade, e, consequentemente, elevam o risco de suicídio.
Causas e Fatores de Risco
Existem diversas razões pelas quais as mulheres autistas compõem o grupo de maior risco quando falamos em suicídio. Entre elas, destacam-se:
- Diagnóstico Tardio ou Ausente: As características do autismo nas mulheres muitas vezes não se enquadram nos critérios tradicionais de diagnóstico, resultando em diagnósticos incorretos ou muito tardios. Muitas são diagnosticadas inicialmente com depressão, transtorno de personalidade borderline ou transtornos alimentares, o que pode mascarar o autismo por muitos anos.
- Camuflagem e Exaustão: A camuflagem é a prática comum entre as mulheres autistas de disfarçar ou minimizar seus comportamentos autistas para se encaixar em ambientes sociais neurotípicos. A longo prazo, essa prática leva à exaustão mental, crise de identidade e, em muitos casos, depressão severa. O desgaste psicológico associado à camuflagem é uma das principais causas do elevado risco de suicídio.
- Isolamento Social e Falta de Apoio: A dificuldade em estabelecer conexões sociais verdadeiras e a sensação de isolamento são agravantes. Muitas mulheres autistas relatam uma profunda sensação de solidão, mesmo quando estão rodeadas por outras pessoas. A falta de uma rede de apoio genuína pode agravar os sentimentos de desesperança e aumentar a ideação suicida.
- Comorbidades Psiquiátricas: É comum que mulheres autistas apresentem comorbidades, como depressão, ansiedade, transtornos alimentares e transtorno obsessivo-compulsivo. Esses fatores complicam ainda mais a sua saúde mental e elevam os riscos de pensamentos suicidas e tentativas.
- Violência e Trauma: Pesquisas também mostram que mulheres autistas são mais propensas a sofrerem abuso sexual e emocional ao longo de suas vidas, o que contribui para quadros de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e aumenta o risco de suicídio.
A Importância de Diagnóstico e Apoio Adequado
A ausência de diagnóstico correto durante grande parte da vida é um dos fatores centrais que coloca as mulheres autistas em risco elevado de suicídio. A falta de compreensão sobre si mesmas, combinada com a constante tentativa de "se encaixar" em um mundo projetado para neurotípicos, pode ser emocionalmente devastadora. Por isso, o diagnóstico precoce e adequado é crucial para proporcionar a essas mulheres uma melhor qualidade de vida.
Além do diagnóstico, é vital que existam redes de apoio específicas para mulheres autistas. Esse apoio pode incluir grupos de suporte, terapias focadas em autismo feminino, estratégias de manejo de estresse e desenvolvimento de habilidades sociais. Esses recursos ajudam a reduzir o isolamento e a fornecer um ambiente seguro onde as mulheres podem se expressar sem julgamento.
Caminhos para a Prevenção
Prevenir o suicídio entre autistas adultos, especialmente entre as mulheres, requer uma abordagem multifacetada. Algumas ações importantes incluem:
- Conscientização e Formação Profissional: É necessário que os profissionais de saúde mental estejam mais bem preparados para identificar autismo em mulheres, reconhecendo os sinais menos óbvios e evitando diagnósticos equivocados.
- Acesso a Serviços de Saúde Mental: Terapias adaptadas às necessidades autistas, como terapia cognitivo-comportamental voltada para autistas, são essenciais. Além disso, o suporte para comorbidades, como depressão e ansiedade, deve ser uma prioridade.
- Fortalecimento da Rede de Apoio: Criar espaços de convivência e apoio para mulheres autistas pode ajudar a reduzir o isolamento social. Grupos online ou presenciais podem ser uma forma eficaz de construir redes de solidariedade e suporte emocional.
Uma Reflexão Pessoal
Receber o diagnóstico de autismo aos 27 anos foi um ponto de virada em minha vida, mas também trouxe consigo um período de profunda dor e questionamento. Após o diagnóstico, fui tomada por um sentimento esmagador de perda, uma sensação de que toda a minha vida poderia ter sido diferente se tivesse recebido uma intervenção precoce. Os anos de camuflagem e de constante tentativa de me encaixar em um mundo que não foi feito para mim me levaram a um estado de esgotamento tão grande que, por um momento, pensei em tirar minha própria vida.
Esse é o impacto do diagnóstico tardio: a sensação de que parte da sua vida foi roubada pela falta de compreensão e apoio. A jornada de aceitação é árdua, e muitas mulheres autistas, como eu, chegam a momentos de desespero por não saberem como lidar com esse novo entendimento de si mesmas. hoje, eu sei que meu diagnóstico não precisa ser o fim. Através de terapia e redes de apoio, percebi que não é tarde para buscar qualidade de vida e construir uma trajetória mais leve e autêntica.
Por isso, é fundamental que a sociedade, os profissionais de saúde e as famílias compreendam a importância do diagnóstico precoce e da intervenção adequada. Ter uma rede de apoio, educação sobre o autismo e espaço para falar sobre as dificuldades sem medo de julgamento pode fazer a diferença entre viver com propósito ou ser tragada pelo silêncio do sofrimento. o meu passado não pode ser mudado, mas espero que, ao compartilhá-la, outras mulheres possam ser ouvidas, compreendidas e, principalmente, salvas.